quarta-feira, 13 de agosto de 2014

[LORE] Avalon, Cap.02 - O sobrevivente

A Montanha Vermelha cobriu o céu de cinzas e fogo. As pessoas corriam desesperadas pelas ruas, seus gritos e lamentações abafados pelo ruído das chamas e das rochas que eram vomitadas pela fúria inabalável do vulcão. Parecia o inferno. Mauhl sabia que deveria se dirigir o mais rápido possível para a costa de Vanderfell, na esperança de escapar da desolação causada pelo gigante outrora adormecido. Era tarde demais para seus companheiros, ele sabia. "Se apresse, ou este será seu último dia na terra", murmurou para si mesmo. Mas no fundo de sua alma, ele sabia também que jamais iria abandoná-los.

De repente, ele abriu seus olhos, vermelhos como as chamas daquele dia, e se viu em meio aos escombros do que outrora fora o Forte Reed. Demorou um pouco para notar que estava apenas sonhando com a tragédia, que na verdade não estava em Vanderfell, mas sim em Blackmarsh. "Não foi apenas um sonho. Foi uma maldita lembrança, uma lembrança que jamais esquecerei", lamentou. Com dificuldade, ele tentou se levantar, mas graças a uma dor lancinante descobriu que sua perna direita estava quebrada. "Maldito seja, Lafite", praguejou baixinho. Não sabia se estava sozinho.

Improvisou uma espécie de tala com a sua magia, usando dois pedaços de madeira que encontrou entre as pedras. Poderia servir a curto prazo. Com muito esforço, retirou as pedras e o que restara de uma viga de madeira, que bloqueavam sua passagem. "Não me resta muita aura sobrando. É melhor poupar as energias para uma fuga segura", decidiu. Após algumas horas, conseguiu sair dos escombros e finalmente encarou o céu estrelado. Era noite, e a batalha já havia terminado.

Havia corpos por todos os lados, e ainda mais entre os escombros. Não tinha certeza de quem tinha sobrevivido. "Aquele desgraçado ainda pode estar vivo", pensou. Só de imaginar que tivera o patife em suas mãos, a menos de um dia atrás... estivera tão perto de sua vingança, mas agora não havia mais o que fazer. "Se os deuses assim quiserem, nos encontraremos novamente, Lafite", prometeu, "e nesse dia você não escapará novamente".

Examinou suas vestes, e encontrou o artefato. Era um anel de ouro com um pequeno e brilhante rubi em destaque, sua única conexão com o misterioso líder dos cultistas. "O Grão-mestre", Mauh pensou, "líder supremo da Aurora Mítica". O mercenário havia sido contratado pessoalmente por um dos membros de alto-escalão do culto, um homem taciturno chamado Raven Camoran. Era através dele que Mauhl recebia as ordens, assim como muitos dos outros. Após se destacar e provar seu valor, passou a se relacionar com alguns dos demais membros do clero, pessoas que estavam no mesmo patamar de Camoran. Mas nunca havia sido apresentado ao Grão-mestre, e duvidava que qualquer outro soubesse a sua verdadeira identidade.

"Mas e quanto a Jojen Reed?", se perguntou. O homem não passava de um rato, isso era verdade, mas Mauhl tinha motivos para acreditar que Jojen se correspondia com o verdadeiro líder da Aurora Mítica. Suas suspeitas haviam se confirmado quando o próprio Reed o procurara e o entregara o anel. "Deve guardar isso com sua própria vida", o alertou o pajem, "e só deve usá-lo se o ataque ao palácio falhar, e eu não conseguir retornar para o forte. Se isso acontecer, use o anel. Ele drenara sua aura, e a magia do artefato o levará ao encontro de nosso mestre. Então você saberá o que fazer."

Mauhl não sabia porque havia sido escolhido. Na verdade, desconfiara das intenções de Reed até o último segundo, quando os malditos Urborg e aquele grupo de bandidos da floresta atacaram o forte sem o menor cabimento. Isso atrapalhara de forma determinante os planos forjados pela irmandade. "Até parece que o desgraçado sabia que isso iria acontecer". Mas ainda assim, restava uma dúvida: será que era necessário usar o poder do anel? Mauhl havia fracassado no Forte Reed, isso era verdade, mas ele não tinha ideia de como as coisas haviam se desenrolado na Capital.

"Minha perna direita está quebrada, e eu não tenho muita aura sobrando. Não estou em condições de arriscar uma aparatação", ponderou. "A vila mais próxima fica a muitas milhas de distância, e não me restou nenhuma montaria. Nessas condições, se eu for atacado por bandidos ou selvagens, acabarei morto", concluiu. Além disso, estava curioso demais para descobrir a identidade de seu patrão, o homem por trás do ideal, a lenda por trás da irmandade. "Mas eu irei até ele como um derrotado, não como um vencedor", murmurou para si mesmo.

Se ao menos Lafite e seus homens não tivessem interferido... "De todas as pessoas no mundo, eu não esperava encontrá-lo logo aqui. Fiquei cego pela vingança, e esqueci minhas obrigações, minhas crenças, meus objetivos. Mas não deixarei que este fracasso me arraste até as profundezas do arrependimento. Irei até ele, e irei encará-lo de cabeça erguida. É a minha única alternativa, minha única opção."

Concentrou toda a aura restante na palma da mão esquerda, e então colocou o anel. Era frio como uma navalha, mas logo ele se tornou quente como se estivesse em brasas, e sentiu sua aura ser absorvida pelo interior da gema. Foi tão rápido, que ele nem se deu conta de que já não estava mais no Forte Reed, já não estava mais em Blackmarsh, já não estava mais ao ar livre. Ele olhou para os lados, e tudo o que viu foram estantes de livros e pilhas de encadernados e pergaminhos. Uma lamparina iluminava fracamente o aposento, uma pequena sala oculta, ele presumia. Estava em uma biblioteca.

- Seja bem vindo, Wotan - murmurou uma voz doce e gentil, vinda de uma cadeira de madeira disposta atrás de uma mesinha de ébano. - Com você, são três. Apenas três sobreviventes de minha querida e adorada irmandade. Acredito que será mais do que o suficiente.

- Você é... ele? O Grão-mestre? Onde estamos?

- Sim, e não. Você é jovem e tem muitas perguntas, mas a maioria delas não precisa de resposta. Tudo o que você precisa saber é que a Aurora Mítica ainda vive. E que estamos mais próximos do nosso objetivo do que nunca.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

[LORE] Avalon, Cap 01 - O embrulho

A comitiva se aproximava lentamente de uma antiga taverna de beira de estrada. O lugar havia sido saqueado pelas tribos selvagens da Campina pelo menos um trilhão de vezes, mas sempre era reaberto assim que o perigo passava. Dessa vez, não havia sobrado muita coisa. A espelunca estava parcialmente destruída, uma parte de seu telhado tendo desabado durante o recente ataque dos desprezíveis Urborg. As paredes estavam carcomidas pelas chamas, e o chão estava repleto de entulho, ossos e cinzas. Pate duvidava que a taverna fosse reerguida tão cedo, e suspeitava que o vilarejo mais adiante tinha encontrado o mesmo destino. Era certamente um lugar estranho e de mau agouro para ser escolhido como ponto de encontro.
Finalmente, eles desmontaram e amarraram seus cavalos em um lance de estacas próximo do que havia restado dos estábulos. Pate conduziu a mula de carga que levava o corpo para junto dos cavalos, retirando com cuidado o "embrulho", com a ajuda de dois outros mercenários, e o debruçou sobre o chão de terra batida. Neste momento, uma brisa gélida os pegou de surpresa, o que fez os pelos da nuca de Pate se arrepiarem. Os outros dois não pareceram se importar, e arrastaram o corpo até as ruínas da taverna. Os demais começaram a montar um pequeno acampamento ao redor do casebre. Pate foi ajudá-los.
Desde que havia abandonado a senhoria dos Slytherin e o conforto da capital, ele frequentemente se perguntava se não teria ido longe demais em se envolver com aquele tipo de gente. "Os mercenários não são confiáveis, e os Treze são odiados até mesmo pela sua laia", era um ditado comum em todas as províncias e até mesmo além do Mar Estreito. Se ele não precisasse do ouro, não teria caído na conversa fiada de Dalton, mas temia por sua vida se permanecesse na Bretanha. O Lança-rubra não era conhecido por ser piedoso.
Loras Pendragon era um homem extremamente rígido e radical, e assim que assumira a regência, mandara prender todos os soldados envolvidos à Casa Slytherin. Os mais espertos haviam fugido assim que o Rei Uther fora assassinado, e Pate estava entre eles. Os rumores diziam que todos haviam sido executados. Sem saída, ele foi forçado a procurar por seu antigo companheiro de guarda, Dalton, que havia se unido a um grupo de mercenários. Eles estavam transportando uma carga importante para a Campina, Dalton lhe disse. Pate nunca imaginara que se tratava do corpo fétido de um prisioneiro, e jamais sonharia que seus contratantes eram os temidos Treze. Mas a promessa de uma boa soma fechou seus olhos e ouvidos, e só ficou sabendo de tudo quando estavam a um dia da taverna.
"Agora é tarde demais para cair fora", Dalton lhe prevenira. "Os mercenários não perdoam desertores. Nisso, não são diferentes de nossos antigos patrões." Sim, Pate sabia disso, e não estava disposto a arriscar. A estrada até ali havia sido dura, e as tribos selvagens espreitavam por todos os lados. Mesmo que conseguisse fugir dos seus companheiros, será que chegaria longe? O próprio Dalton havia sido morto durante a noite passada, quando um pequeno grupo de desertores Urborgs atacara o acampamento. Mesmo pegos desprevenidos, os mercenários conseguiram contornar a situação, mas alguns selvagens haviam conseguido fugir. "Raizen era o nome dele", Pate pensou, "ouvi um dos seus chamá-lo antes de fugirem como ratos, desgraçados". Mesmo o tendo arrastado para aquela situação, ainda considerava Dalton um grande amigo e certamente iria vingá-lo se tivesse a chance.
Uma fogueira foi acesa no centro do acampamento, e Pate e mais três foram escolhidos para a ronda aquela noite. Jantaram pão dormido e ensopado de coelho com rabanetes. Apesar de estar com bastante fome, Pate se sentiu enjoado e não comeu muito. O cheiro do morto era insuportável, e só piorava a cada dia, mesmo após ter sido mergulhado em alcatrão e ervas aromáticas, para ser conservado por mais tempo. Não fazia ideia do porque os Treze queriam o cadáver, mas tampouco queria saber. "Certamente para algum fim sinistro", pensou.
Era próximo do ocaso quando os cavaleiros se aproximaram do acampamento. Eram apenas dois, completamente vestidos de negro, seus rostos ocultos por um capuz, Seus garanhões eram igualmente escuros, e estranhamente silenciosos. Antes que todos fossem despertos, eles já haviam desmontado, amarrando as montarias juntos aos cavalos dos mercenários. Apenas a presença deles incomodava os palafréns, e Pate sentiu um frio na espinha quando eles se aproximaram das ruínas.
Seus companheiros os conduziram até o "embrulho". Um dos homens se abaixou e parecia estar examinando o corpo. O outro entregou um saco generoso de moedas para o líder do grupo. Parece que tudo está em ordem, Pate pensou, aliviado. Mas quando o outro homem terminou de examinar o corpo e o ergueu, depositando-o em seu ombro, seu tom de voz não era agradável, e uma sensação de medo inundou o acampamento, paralisando a todos.
- O corpo dele está em frangalhos, como espera ser recompensado por isto? Malditos mercenários, não se pode confiar que façam de forma satisfatória o menor dos trabalhos! - esbravejou, e chamas irromperam por todo o interior das ruínas. O líder dos mercenários se encolheu, vomitando desculpas. O outro homem tentava acalmar seu companheiro, mas Pate já não ouvia mais nada. O ar estava pesado como chumbo, e sua visão estava embaçada. As chamas irrompiam do casebre em ruínas, e percorriam o acampamento. Seus companheiros despertaram do transe e tentaram desembainhar suas armas ou fugir. Pate não teve a mesma sorte. Não sabia se havia sido a fraca refeição, a noite em claro ou o próprio medo que exalava ao seu redor, mas ele não conseguiu se mexer, até que se entregou àquela sensação e perdeu os sentidos. Sonhou com Dalton sendo atravessado por uma espada, chamas que consumiam a taverna e um corpo sem rosto que não parava de feder.