A comitiva se aproximava lentamente de uma antiga taverna de beira de estrada. O lugar havia sido saqueado pelas tribos selvagens da Campina pelo menos um trilhão de vezes, mas sempre era reaberto assim que o perigo passava. Dessa vez, não havia sobrado muita coisa. A espelunca estava parcialmente destruída, uma parte de seu telhado tendo desabado durante o recente ataque dos desprezíveis Urborg. As paredes estavam carcomidas pelas chamas, e o chão estava repleto de entulho, ossos e cinzas. Pate duvidava que a taverna fosse reerguida tão cedo, e suspeitava que o vilarejo mais adiante tinha encontrado o mesmo destino. Era certamente um lugar estranho e de mau agouro para ser escolhido como ponto de encontro.
Finalmente, eles desmontaram e amarraram seus cavalos em um lance de estacas próximo do que havia restado dos estábulos. Pate conduziu a mula de carga que levava o corpo para junto dos cavalos, retirando com cuidado o "embrulho", com a ajuda de dois outros mercenários, e o debruçou sobre o chão de terra batida. Neste momento, uma brisa gélida os pegou de surpresa, o que fez os pelos da nuca de Pate se arrepiarem. Os outros dois não pareceram se importar, e arrastaram o corpo até as ruínas da taverna. Os demais começaram a montar um pequeno acampamento ao redor do casebre. Pate foi ajudá-los.
Desde que havia abandonado a senhoria dos Slytherin e o conforto da capital, ele frequentemente se perguntava se não teria ido longe demais em se envolver com aquele tipo de gente. "Os mercenários não são confiáveis, e os Treze são odiados até mesmo pela sua laia", era um ditado comum em todas as províncias e até mesmo além do Mar Estreito. Se ele não precisasse do ouro, não teria caído na conversa fiada de Dalton, mas temia por sua vida se permanecesse na Bretanha. O Lança-rubra não era conhecido por ser piedoso.
Loras Pendragon era um homem extremamente rígido e radical, e assim que assumira a regência, mandara prender todos os soldados envolvidos à Casa Slytherin. Os mais espertos haviam fugido assim que o Rei Uther fora assassinado, e Pate estava entre eles. Os rumores diziam que todos haviam sido executados. Sem saída, ele foi forçado a procurar por seu antigo companheiro de guarda, Dalton, que havia se unido a um grupo de mercenários. Eles estavam transportando uma carga importante para a Campina, Dalton lhe disse. Pate nunca imaginara que se tratava do corpo fétido de um prisioneiro, e jamais sonharia que seus contratantes eram os temidos Treze. Mas a promessa de uma boa soma fechou seus olhos e ouvidos, e só ficou sabendo de tudo quando estavam a um dia da taverna.
"Agora é tarde demais para cair fora", Dalton lhe prevenira. "Os mercenários não perdoam desertores. Nisso, não são diferentes de nossos antigos patrões." Sim, Pate sabia disso, e não estava disposto a arriscar. A estrada até ali havia sido dura, e as tribos selvagens espreitavam por todos os lados. Mesmo que conseguisse fugir dos seus companheiros, será que chegaria longe? O próprio Dalton havia sido morto durante a noite passada, quando um pequeno grupo de desertores Urborgs atacara o acampamento. Mesmo pegos desprevenidos, os mercenários conseguiram contornar a situação, mas alguns selvagens haviam conseguido fugir. "Raizen era o nome dele", Pate pensou, "ouvi um dos seus chamá-lo antes de fugirem como ratos, desgraçados". Mesmo o tendo arrastado para aquela situação, ainda considerava Dalton um grande amigo e certamente iria vingá-lo se tivesse a chance.
Uma fogueira foi acesa no centro do acampamento, e Pate e mais três foram escolhidos para a ronda aquela noite. Jantaram pão dormido e ensopado de coelho com rabanetes. Apesar de estar com bastante fome, Pate se sentiu enjoado e não comeu muito. O cheiro do morto era insuportável, e só piorava a cada dia, mesmo após ter sido mergulhado em alcatrão e ervas aromáticas, para ser conservado por mais tempo. Não fazia ideia do porque os Treze queriam o cadáver, mas tampouco queria saber. "Certamente para algum fim sinistro", pensou.
Era próximo do ocaso quando os cavaleiros se aproximaram do acampamento. Eram apenas dois, completamente vestidos de negro, seus rostos ocultos por um capuz, Seus garanhões eram igualmente escuros, e estranhamente silenciosos. Antes que todos fossem despertos, eles já haviam desmontado, amarrando as montarias juntos aos cavalos dos mercenários. Apenas a presença deles incomodava os palafréns, e Pate sentiu um frio na espinha quando eles se aproximaram das ruínas.
Seus companheiros os conduziram até o "embrulho". Um dos homens se abaixou e parecia estar examinando o corpo. O outro entregou um saco generoso de moedas para o líder do grupo. Parece que tudo está em ordem, Pate pensou, aliviado. Mas quando o outro homem terminou de examinar o corpo e o ergueu, depositando-o em seu ombro, seu tom de voz não era agradável, e uma sensação de medo inundou o acampamento, paralisando a todos.
- O corpo dele está em frangalhos, como espera ser recompensado por isto? Malditos mercenários, não se pode confiar que façam de forma satisfatória o menor dos trabalhos! - esbravejou, e chamas irromperam por todo o interior das ruínas. O líder dos mercenários se encolheu, vomitando desculpas. O outro homem tentava acalmar seu companheiro, mas Pate já não ouvia mais nada. O ar estava pesado como chumbo, e sua visão estava embaçada. As chamas irrompiam do casebre em ruínas, e percorriam o acampamento. Seus companheiros despertaram do transe e tentaram desembainhar suas armas ou fugir. Pate não teve a mesma sorte. Não sabia se havia sido a fraca refeição, a noite em claro ou o próprio medo que exalava ao seu redor, mas ele não conseguiu se mexer, até que se entregou àquela sensação e perdeu os sentidos. Sonhou com Dalton sendo atravessado por uma espada, chamas que consumiam a taverna e um corpo sem rosto que não parava de feder.
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